sábado, 4 de outubro de 2008

Integridade = R.E.M.



Uma das principais notícias do meio musical em 1987, além do álbum The Joshua Tree e o U2 ocupando os primeiros lugares nas paradas dos EUA, era o sucesso quase improvável do R.E.M. (“rapid eye movement”, fase do sono em que ocorrem os sonhos). O quarteto formado por quatro jecas-universitários era de boa estirpe, a pacata Athens, na Georgia, berço de muito blues e, além de muitas plantações de algodão, do B-52´s, e undergrounds como Matthew Sweet e o Pylon. O cenário perfeito para o tédio? Não, Rock´n´Roll!!! Ou como dizem lá na Geórgia, quando perguntam porque tanta música boa vem de lá, “deve ser algo na água”.

E foi assim que quatro garotos que não sabiam muito bem o que queriam Michael Stipe, Mike Mills, Peter Buck e Bill Berry se juntaram para tirar um som. Buck, fã de Byrds, aprendeu a tocar guitarra quase adulto. Aprendeu fazendo (putz, isso me lembra tantas coisas...).

Pois é, voltando a 87, não esqueço o dia em que ouvi “The One I Love” pela primeira vez. Deus, o que era aquilo? Um riff de guitarra forte, predominante, coisa rara de se ouvir no rock brasileiro daquele tempo (como se ouvia e se gravava mal guitarra nos anos 80!!!)... Era Buck. E uma voz, uma voz dissonante, um Bob Dylan raivoso, com mais potência, forte tom anasalado... Era Stipe.

Dias depois vi aquele clipe bombástico de “The One I Love”, que anos depois descobri que tinha o dedo do próprio Stipe, naquele típico jogo de esconde-esconde em que ele viveu mais alguns anos. Havia imagens da banda tocando filmadas em ângulos diferentes e, intercaladas, cenas belas, oníricas, como a letra da música: “Essa vai para quem eu amo/ Essa vai para quem eu deixei para trás/ Uma simples muleta para ocupar meu tempo/ Essa vai para quem eu amo”. Essa quem? A canção, uma carta ou a tal muleta?

Se fosse só “The One I Love”, tudo bem, eles eram um single de sucesso. Parabéns. Mas era muito mais. Lembro do dia em que ganhei um cheque-disc da Prodisc e corri na loja do novíssimo Shopping Miramar (que não caiu!) e peguei o meu R.E.M.. Document, o LP, tinha “The One I Love”, mais dez faixas e nenhum encarte. Mesmo assim, preferi não escutar as outras faixas na loja, botei o bolachão embaixo do braço e fui embora.

Cheguei em casa e pus o disco para tocar na hora. Lembro que era umas 18h, ouvi umas três vezes, ouvi alto até umas 21h... Minha mãe estranhou um pouco, mas logo estava cantarolando comigo. Lembro que foi uma das primeiras vezes que vi que minha mãe curtia algum som que eu gostava também (fora os que ela gostava e, naqueles anos rebeldes, eu dizia que não. Robertão eu te devo um post).

O que dizer daquele lado A absurdo? Que abre com “Finest Worksong” e termina com “It´s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)? E o lado B, super místico, que começa com “The One I Love” e termina com “Oddfellows Local 151”? Nada, nada a mudar, nada a reparar. Apenas tocar de novo e de novo. Logo, fui mostrar a novidade aos amigos e todos gostaram muito.

Fiquei apreensivo quando, meses depois, após o sucesso impressionante de “The One I Love”, o grupo pensou na carreira e assinou um contrato com a Warner, deixando a independente I.R.S, que até hoje fatura vendendo o catálogo dos anos independentes do R.E.M. (1982-1987). Pensei: “Xiii, vai dar m...”...

Um ano depois, em 1988, a 95 FM (já falei dela aqui) começou a tocar “Orange Crush”, um rock tão quente quanto o efeito da arma química de que falava, o agente laranja, despejado na guerra perdida do Vietnã, na primeira guerra sem razão de inúmeras que a América enfrentou dos 70 para cá... Se algo havia mudado é que toda a banda estava um ano mais velha, pois o produtor era o mesmo, o vigor, idem. Mais inspirados, aperfeiçoaram o seu pop em pérolas como “Get Up”, “Stand” e “Pop Song 89”.
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Isto tem um nome: integridade. E pude saber que existia isso nas artes e na música pop e um sinônimo disso na música passou, dali em diante, a ser o R.E.M.

O lado político não poderia faltar (estamos falando aqui de um disco gravado nos anos 80!!!). “World Leader Pretend” é uma de minhas músicas preferidas de todos os tempos. “I raised the wall and I will be the one to knock it down”. Aquela música parecia ter sido uma entrega especial para mim. Eu era essa pessoa, eu era o adolescente pobre, ruim nos esportes, com poucos amigos, sem namorada, magrelo... Eu não tinha mulheres, não tinha grana, mas tinha a música, o cinema e os livros. Quando eu conseguia algum vendendo o jornal e as garrafas que catava na escadaria do prédio, eu comprava meus disquinhos e com eles submergia no meu mundo e através deles derrubei muitos muros intransponíveis e visitei lugares inimagináveis.

E muito disso eu devo a essa banda incrível, o R.E.M., que tive o prazer de curtir ao vivo junto com a minha mãe no Rock in Rio 3, em 2001, e que agora verei de novo, em São Paulo, sete anos depois, R$ 200 mais pobre no banco, mas milhões mais rico de espírito.

Leia a letra de "World Leader Pretend"