quinta-feira, 14 de abril de 2011

É hora de quê no mundo? É hora do show!

Durante todo o show da turnê 360º, pipocaram mensagens no telão de alta definição e o Bono perguntava: “É hora de quê no mundo?”. A pergunta fica latejando durante todo o espetáculo, relógios aparecem no telão multimídia, até que perto do fim do show, antes do êxtase de “With Or Without You”, o cantor do U2 responde: “É hora do show!”.

Nenhuma outra banda no mundo sabe mais que o U2 o momento que os habitantes deste planeta vivem atualmente. Na era da mídia, em que cada um pode, do seu celular, decidir sua vida, namorar, publicar notícias, denunciar atrocidades, se agrupar em torno de uma causa, enfim, protagonizar, decidir, mandar. É hora de aparecer, é hora do show. E, num show do U2, todos fazemos parte, todos pertencemos, somos partes integrantes do espetáculo.

Nada mais apropriado então do que homenagear David Bowie e sua “Space Oddity”_ tema da BBC para a viagem do homem à lua, em 1969_ e Elton John e Bernie Taupin e seu “Rocket Man”, na abertura e no final do show. No final dos 60 e começo dos 70, após a auto-implosão do flower-power em Altamont, o mundo se enxergava na tecnologia e perguntava quantos homens do foguete iriam viver sua odisséia no espaço.



Na sua sandice, ou apenas sendo vítima de seu próprio destino, a humanidade tirou os olhos um pouco do espaço. Expedições tripuladas jamais foram além da Lua, mas a tecnologia nos trouxe a este mundo de hoje, que é extremamente dicotômico: Twitter e demais redes sociais podem servir tanto para as pessoas fazerem campanha em prol de seu big brother favorito como para organizar marchas e protestos pela liberdade no norte da África, no oriente médio e no Irã censurados. Ditadores cortaram os cabos de internet, mas os celulares 3G estavam lá e mandaram notícias para o resto do mundo sobre o que estava acontecendo.

Não é à toa que a Irlanda, afundada numa crise que só não é maior que o “great famine”, não é mais o cenário das imagens de fundo para “Sunday Bloody Sunday”. Saem os irlandeses, entram os árabes em busca da liberdade. O U2 sabe que “as garrafas quebradas sob os pés das crianças” estão lá, mas as pedras agora são outras: são a palavra, a imagem e o som transmitidos pela internet.



Nessa comunhão com seus fãs e o mundo, de pileque ou não, Bono, Edge, Adam e Larry não soaram nada anacrônicos em quase duas horas de show, ontem, no Morumbi. Seus mais de 30 anos de carreira não os tornaram dinossauros, porque eles souberam entender o mundo em que vivem e a plateia representava isso: crianças, adolescentes, jovens adultos e coroas, unidos, cantavam, cada um o seu hino.

Na volta pra casa, um rapaz de uns 25 anos delirava. Falava pelos cotovelos com seu grupo de amigos que “Walk On” havia sido o melhor momento do show (foi um dos melhores). No ônibus, um segurança que trabalhou no espetáculo, um senhor de uns 65 anos que se orgulhava de dizer aos turistas que havia visto gente nadar no Tietê em 1964, mostrava orgulhoso para uma fã mais nova o vídeo que havia feito de “Magnificent”.

E essa é a mágica que faz do U2 uma banda especial, que não à toa bateu o recorde dos Rolling Stones de turnê mais rentável. Eles são bem mais que uma banda hoje: são caras que estão nas casas de quase todo mundo, no mundo todo. Quem não tem uma coletânea, tem um DVD, ou CD baixado da internet, ou viu o clipe de “Vertigo” em algum lugar. Eles são mais que uma banda, são algo familiar, como um celular ou aquele porta-retrato na estante.



E o U2 sabe que todos somos protagonistas. Estimula que os fãs gravem os shows, tirem fotos. Disseram até que estavam gravando os shows e que colocariam as imagens para download no site da banda, mas que, quem baixasse não deveria contar nada ao manager do grupo. Enfim, U2 somos nós.

Quanto à música, mesmo como todo o palco, o telão incrível, que na hora em que se articula, formando uma espécie de globo da morte sobre a banda, lembra a capa do clássico álbum “Tommy”, do The Who (outra referência), ela ainda é o centro do show. E, no cenário futurista, e diante das condições vocálicas de Bono, uma ou outra música perde o sentido. No show que vi, pelo menos, foi o caso de “Pride (In The Name of Love)”: perdida num canto do repertório, sem sentido e sem pique.



Os melhores momentos, sem dúvida, ficaram por conta da produção da banda desde 89, a partir da virada representada por “Achtung Baby”. Abrir o show com “Even Better Than The Real Thing”, em novo arranjo, deu a senha. A bobinha “Get On Your Boots” ganha relevância com os graves extremamente bem equalizados saídos da “aranha”, “Magnificent” explode em cores nos arpejos brilhantes de Edge.

Em “Elevation”, a arquibancada do Morumbi vibrava muito com os pulos do público (eu que nunca havia estado na arquibancada do estádio, confesso que tremi, de medo). Depois de conversar com o público em “I Still Haven´t Found What I´m Looking For”, Bono e companhia batem o ponto em “Pride” e chamam Seu Jorge para uma deliciosa brincadeira com “The Model”, do Kraftwerk, que virou uma bossa de gringo com as ideias cheias de caipirinha, tão diferente que precisei de auxílio para reconhecê-la.

Mas os momentos mais fantásticos vieram depois com o trio formado por “Miss Sarajevo”, emocionante, a primeira que me arrepiou de verdade, com Bono arrancando um tenor não sei da onde, muito, mas muito melhor que a versão da turnê de 2006, uma versão integral e magistral de “Zooropa”, momento em que o telão se articula e vira o “globo da morte”, e “City of Bliding Lights”, que é uma música de show, impressionante.



Outra escorregada foi a horripilante versão de “I´ll Go Crazy If I Don´t Go Crazy Tonight”, um remix tosco do arranjo original com Larry se arriscando numa conga e dando um rolê pelo palco, absolutamente constrangedores (a volta e a conga). Mas, é aquilo, o U2 tem um grau de envolvimento com o público, e um timing de show tão absurdo, que sabem que o ridículo faz parte do espetáculo. Não tem medo dele. Isso aconteceu em “Lemon”, na PopMart, e com o “McPhisto” na turnê ZooTV.

Em “One” e “Where The Streets Have no Name”, os velhos fãs não tinham como não se emocionar. Velhos filmes caseiros mostravam a banda dando um rolê de Trabant em frente ao estádio olímpico de Berlim e no Parque Nacional de Joshua Tree, respectivamente, na época em que estavam na Alemanha e nos EUA, gravando os dois maiores álbums da banda: The Joshua Tree e Achtung Baby.

Para encerrar o show, Bono pede que o público guarde pensamentos para as vítimas do massacre de Realengo, em especial para os pais das crianças mortas. As luzes se apagam, a música, “Moment of Surrender”. Enfim, assim terminou a terceira passagem do U2 pelo Brasil. Depois, as luzes acenderam e tocou a fita de “Rocket Man”, mostrando imagens de astronautas no telão. O U2, sozinho, não pode salvar o mundo, mas é a única banda que tem o direito de achar que ainda pode. E as 90 mil pessoas que estavam ontem no estádio têm certeza disso.




Set List – U2 – 360º Tour – São Paulo – Estádio do Morumbi – 13.04.2011

Even Better Than The Real Thing
I Will Follow
Get on Your Boots
Magnificent
Misterious Ways
Elevation
Until the end of the World
I Still Haven´t Found What I´m Looking For
Pride (In The Name Of Love)
The Model (Kraftwerk cover) – U2 e Seu Jorge
Beautiful Day
Miss Sarajevo
Zooropa
City of Blinding Lights
Vertigo
I´ll Go Crazy If I Don´t Go Crazy Tonight
Sunday Bloody Sunday
Scarlet
Walk On
One
All I Want is You
Where the Streets Have No Name
Hold me, Thrill Me, Kiss Me, Kill Me
With or wout you
Moment of Surrender