domingo, 5 de julho de 2009
Nasi: sozinho e apaixonado
Depois do traumático e nada diplomático rompimento com o Ira!, em 2008, após uma briga por questões trabalhistas com o irmão que era empresário do grupo, Nasi resolveu recomeçar “sozinho e apaixonado”, como canta nos versos de “Bebendo Vinho”, do bardo gaúcho Wander Wildner, gravada pelo Ira! em 1999 no álbum “Isso é Amor”, e retomada agora para abrir o show que realizou ontem à noite, no Teatro do Sesc, em Santos, o primeiro na atual formação de sua banda solo, cuja turnê começou em março deste ano.
A escolha não foi à toa. Paixão pelo que faz e uma nítida solidão tornam os termos “sozinho e apaixonado” o moto perfeito desse artista, que não dá sinais de querer parar e que escolheu um repertório logicamente relacionado à sua própria carreira (e os mais de 20 anos com o Ira! não foram esquecidos) e ao momento artístico e pessoal que vive.
Como grande intérprete que é, Nasi não escolhe as músicas à toa. Seu principal critério parece ter sido as mensagens das letras das músicas e a identificação com os artistas que as gravaram originalmente. Parece ter havido também uma preocupação em evitar clássicos do Ira! de autoria do atual desafeto do guitarrista Scandurra, que ficou do lado do empresário irmão de Nasi e não do amigo de mais de 30 anos, na briga que levou ao fim da banda.
Ou seja, o show não teve “Envelheço na Cidade”, “Flores em Você”, “Dias de Luta” ou “Pobre Paulista”, músicas que segundo Nasi, em recente entrevista, remetem a um sentimento de amizade que não existe mais, e que ele não pretende tocar por um bom tempo. Das 23 músicas do show, apenas três tem assinatura 100% Edgard Scandurra.
Mesmo assim, a plateia estava ganha e o ovacionou em “Bebendo Vinho”. Essa escolha de palavras e canções não poderia ser mais apropriada quando Nasi continua o show com “Por Amor”, do recém-falecido Zé Rodrix e de Reinaldo Bessa, e “Pra Ficar Comigo”, versão dele e André Jung para “Train in Vain”, do Clash, ambas gravadas pelo Ira! no álbum “Acústico MTV” (2004), disco de maior sucesso da carreira da banda.
“Por Amor” traz os versos “movido apenas por amor vou em frente”, com a banda tocando pesado, rápido e alto, como deve ser num bom show de rock. A letra é uma síntese do Nasi apaixonado pelo palco e pelo público, que não consegue abandoná-lo, mesmo que “às vezes certo, às vezes meio confuso”, como os versos da canção. A fila de sucessos inicial termina com “Tarde Vazia”, clássico do Ira! de autoria de Ricardo Gaspa e Scandurra.
Na escolha minuciosa do repertório, Nasi não deixa de lado suas predileções ao tocar dois blues que gravou com o Nasi e os Irmãos do Blues, e uma versão blues de “Música Urbana”, da Legião Urbana, nem esquece de fazer um painel de sua carreira, lembrando, inclusive “Verdades e Mentiras”, que gravou com o Voluntários da Pátria, projeto que tocou paralelo ao Ira! no início da carreira da banda e que terminou, segundo suas próprias palavras “porque o vocalista brigou com a banda”. Nesse momento, em uma clara alusão à briga familiar que destruiu o Ira!, diz: “vocês são a minha família”.
Aproveita e também enaltece o underground, “dos bons tempos da Bela Vista”, bairro onde nasceu e no qual frequentava o Madame Satã, palco de vários dos grupos da época, e homenageia os colegas de banda, em especial o guitarrista Nivaldo Campopiano, que era do Muzak, da qual Nasi interpretou uma canção. “Esse é da turma que não se vendeu”, alfineta, ao elogiar o colega, que ocupa a dura função de tocar blues com solos límpidos e músicas do Ira! sem tentar imitar Scandurra. Nasi também agradeceu o amigo Johnny Boy, que gravou com o Ira! o álbum “7” (1996), mas está no baixo, substituindo o colega Ricardo Gaspa, do Ira!, que assumiu a função nos primeiros shows da turnê solo de Nasi. Completam a banda André Youssef (teclado) e Evaristo (bateria).
Recém egresso de uma homenagem prestada ao álbum “Krig-ha Bandolo!”, durante a última virada cultural em São Paulo, Nasi aproveitou-se e, claro, jogou para a plateia e incluiu um bloco de quatro canções de Raul Seixas: “Metamorfose Ambulante”, “As Minas do Rei Salomão”, “Mosca na Sopa” e “Sociedade Alternativa”.
Depois de “Eu Vou Tentar”, balada de Rodrigo Koala, gravada no último disco do Ira!, “Invisível DJ”, Nasi rendeu homenagem à Cazuza, com “O Tempo Não Pára”. Cada verso é respirado, cantado, ou melhor, cuspido. Na hora do verso “me chamam de ladrão, de bicha, maconheiro”, Nasi os adapta à sua vida e muda para “me chamam de bandido, louco e maconheiro”.
Um dos momentos mais bonitos do show foi a versão de “Eu Quero Sempre Mais”, também de “7”, em que Nasi deixou o público de Santos cantar a música praticamente na íntegra, a la Tim Maia, logo, logo vai estar no youtube, aposto. Em seguida, o primeiro bloco foi encerrado com o clássico “Núcleo Base”. Estas foram as duas únicas músicas da primeira parte do show de autoria “100% Scandurra”, o público aplaude Nasi e a banda, que sai abraçada do palco, de pé, e os chama de volta.
O bis começa apenas com Nasi e Johnny Boy numa versão linda de “O Girassol”, também de “7” (última música de Sandurra no show), e prossegue com uma versão raivosa de “Hoochie Coochie Man”, a cover de “Epitáfio”, gravada por Nasi na trilha da novela “Chamas da Vida”, uma versão linda para “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos, gravada pelo primeiro em 1971, no magnífico “Carlos, Erasmo”, “Teorema”, da Legião, gravada pelo Ira! em “Isso é Amor”, e, para fechar “Aluga-se”, de Raul.
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Um comentário:
MO, agora compreendo porque fico nostálgica quando escuto algumas músicas entre meados dos anos 80 e 90. O comentário do Nasi é esclarecedor. Adorei seu texto. Fiquei com vontade de escutar todos estes sons. Abraços, Paula
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