No mês em que o assassinato de Che Guevara completou 40 anos, eis que houve, enfim, a revolução. O Radiohead, uma das maiores bandas em atividade, com um catálogo de hits realmente importante, milhões de discos vendidos no mundo todo, com um vocalista esquisitão, mas carismático, rompeu de vez o cordão umbilical com a indústria. E pela primeira vez eu me senti compelido a, enfim, baixar um disco.
O grupo lançou seu novo disco no dia 10 de outubro pela internet (www.inrainbows.com), sem ter contrato assinado com nenhuma gravadora. Os ingleses deram ao fã duas opções no lançamento: baixar as dez faixas ou adquirir uma caixa especial, cheia de mimos, por quase R$ 150 (40 libras).
O detalhe: ao optar pelo download, o cliente poderia atribuir ao disco o preço que quisesse. Pela primeira vez, uma banda tornava tangível o conceito abstrato, mas verdadeiro, de que música não tem preço. Se quisesse, o cliente poderia atribuir zero como valor e pagar somente menos de meia libra a título de taxa de administração. Eu optei por pagar 1 libra, mais a taxa, ficou algo em torno de R$ 6.
Acho absurdo o preço atualmente cobrado por downloads oficiais nos sites de gravadoras ou lojas virtuais. Geralmente, paga-se entre R$ 1,90 e R$ 2,50 por uma faixa, o que definitivamente não vale um arquivo de MP3, o qual todo mundo sabe que não tem a mesma qualidade de um arquivo de áudio em um CD. E o consumidor não fica com nada tangível em troca, apenas arquivos, que podem ser perdidos com um simples esbarrão na tecla delete.
Esse mercado acentuou a compra de faixas e as pessoas ignoram informações sobre o que estão comprando_ ou seja, a arte de colecionar discos está sendo assassinada, como vários prazeres vêm sendo aniquilados nesta virada de século. Como digo no texto de apresentação do blog, é a banalização. As coleções de discos podem desaparecer. Não há mais nada para curtir, para chamar de seu.
O Radiohead, no seu pioneirismo, tenta romper com esse formato duas vezes. Primeiro, ao tornar o download a primeira forma disponível de se obter o álbum, e, segundo, ao não vendê-lo fracionado, ao não desmontar o conceito do álbum. É esperar para ver. Eu torço para que dê certo_ uma alternativa ao que considero a impessoalidade do download.
IN RAINBOWS – Radiohead volta ao paraíso
Após a quinta audição, não tenho dúvida. In Rainbows é um álbum pop, ao contrário do que disseram muitos jornalistas nas primeiras resenhas publicadas ao longo da semana passada.
Marcado por arranjos com arpejos de guitarra, o disco é repleto de melodias assobiáveis, de assimilação um pouco difícil, sim, mas, seguramente, é uma evolução, mais suave, da linha quase convencional trilhada em “Hail To The Thief” (2003), o último CD da banda. É o melhor álbum do grupo desde OK Computer (1997). Vai lá: www.inrainbows.com e compre o seu.
15 Step – Percussão, efeitos. Aos 45 segundos, entra a guitarra. Arpejos, slides, a melodia é circular e abre o disco com estilo;
Bodysnatchers – Rock´n´roll. Guitarras sujas lembrando Sonic Youth dominam a faixa. Pop, a canção tem até uma ponte grudenta antes do batidão sujão voltar;
Nude – Você se sente nos fundos de uma sala, onde violinos são tocados próximos do teto, como nos camarotes de um teatro. Sobre o arranjo de baixo, Yorke canta maravilhosamente;
Weird Fishes/Arpeggio – A faixa começa com percussão e logo surgem os arpejos , como o próprio nome da canção diz.
Yorke canta um arremedo de refrão:
“in the deepest ocean/ the bottom of the sea/ your eyes, they turn me/ why should I stay here?”.
A batida acelera, como peixes estranhos em um aquário;
All I Need – A mais estranha e também a mais pop. A faixa começa com um belo cello, mas sua batida lembra Joy Division e leva o ouvinte ao primeiro refrão nítido do disco... “you´re all I need”;
Faust Arp – Uma faixa bem rural, passa sensações campestres. Uma mistura de Pink Floyd pré-dark side com Nick Drake;
Reckoner – Novamente arpejos e percussão. Yorke canta como se murmurasse alto. O piano marca uma transição e a faixa termina com um cello matador. É a minha preferida, de longe;
House of Cards – Com apenas 5´25, é a faixa mais longa do disco. Começa com uma guitarrinha meio bossa, meio suingada. “I don´t wanna be your friend/ I just wanna be your lover”, canta o ET Yorke. Parece minha vida!;
Jigsaw Falling Into Place – Violão e bateria acelaradinhos. Gostosa. “C´mon and let it out”, “repete” o pastor Yorke neste quase-refrão;
Videotape – Belo final de um belo álbum. Tá nublado na praia, hora de correr para casa, sem antes não deixar de apreciar o mar se tornar uma mancha cinza.
Cotação: ****1/2
Other stuff – Por enquanto não tem other stuff. Além da opção do download, a banda oferece por 40 libras uma caixa com a versão de In Rainbows em vinil, CD, um disco com algumas faixas extras e muitos bichinhos e artes do “líder” da espaçonave Radiohead. Quem encomendou a caixona vai vê-la só em dezembro, perto do Natal. No início do ano que vem, deve sair a versão normal do disco, esperamos sem pilantragens, tipo faixas novas, o que descredenciaria toda a ousadia. E que as gravadoras fiquem longe desses meninos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário