Eu era o roqueiro clássico em 1991. Era fanático pelo básico: U2, Beatles, Stones e Pink Floyd. Conhecia alguma coisa de Lou Reed, Velvet Underground, Pixies, Echo and The Bunnymen e Bob Dylan e muito, muito Led Zeppelin, Doors, Joy Division e Jesus And Mary Chain. Me informava o máximo que podia aqueles tempos.
Lembro do belo dia em que ouvi Nevermind, do Nirvana, pela primeira vez. Foi em 1992, na casa do Xuxa, um amigo um ano mais velho, que tinha amigos mais velhos e se informava mais sobre novidades. Lembro que “On A Plain” me cativou, mas não saquei muito o resto. De cara, não entendia toda aquela gritaria, aquela guitarra pesada... Em suma, eu era um cabação.
Tinha minha namorada, estudava jornalismo numa faculdade particular na minha própria cidade, tinha minha banda de rock que me satisfazia artisticamente, onde despejava meus últimos arroubos de lirismo adolescente. Tava bom assim.
Isso seguiu assim até que um cara “esquisitão” do curso de Publicidade, o Toni, que eu considerava meio que uma entidade, me convidou para assistir ao show de uma das bandas dele, o Anywise Pub. Não lembro onde foi, sei que foi em 92 também, e a ficha começou a cair. Aos poucos, eu começava a me distanciar do som que fazia e passei a defender que o som da Nowhere, minha banda, tinha que ficar mais pesado.
No final de 92 e em 93, com o Hollywood Rock, foi o boom no Brasil do som grunge. Lembro que não gostava muito daquela coisa de clipes do Temple of The Dog, Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden, Smashing Pumpkins, Stone Temple Pilots e Nirvana o tempo todo na MTV, que ficava ligada full-time no barzinho da faculdade. Não entendia, no meio do fenômeno, o que estava acontecendo. Não entendia como bandas underground até dois anos antes estavam bombadas na TV. Nem pensei em assistir ao Nirvana no Hollywood Rock. Achava o Alice in Chains mais legal e vi os caras pela TV.
Ok, assim seguiu. O som da Nowhere foi ficando mais pesado e eu vendo a revolução grunge pela TV. Até que vi o Corsage, a outra banda do Toni tocar. Uau! Não era, definitivamente, um som grunge, mas consegui ver como uma pessoa com influências dos anos 80 poderia atualizar o som que curtia. Ali a ficha caiu de vez e eu queria conciliar meus novos gostos com os antigos e o som da minha banda, mas ainda não foi a vez do Nirvana, que cada vez parecia mais legal para mim, mesmo depois daquele disco de lados B´s, então esquisitos para mim, o Incesticide.
E, enfim, aconteceu o que até então ninguém esperava. Kurt Cobain se matava com um tiro na cabeça em abril de 94 em Seattle, pouco depois de uma overdose em Roma. Lembro que fiquei abaladíssimo e comprei o Nevermind no dia que soube da notícia. Pouco depois comprei o segundo do Alice in Chains, mais uns meses e ganhei o Ten, do Pearl Jam. Lembro do vendedor estúpido da loja onde comprei o disco. “É, só porque o cara morreu, tá todo mundo comprando essa merda de novo”.
Eu lembro de ter ouvido Nirvana o dia inteiro aquele dia e a ficha caiu totalmente. Todo mundo que curtia som sabia dos problemas com drogas de Kurt e todo mundo esperava que ele morresse de overdose um dia, mas não que se matasse com um tiro na cabeça. E em 1994! Não agora.
94 passou devagar, com pesar. Naquele ano minha banda se dedicou durante seis meses, fazendo poucos shows e ensaiando apenas três músicas, gravadas em novembro. Adorei o resultado, mas achei o som desconectado de tudo o que acontecia a nossa volta. Não aguentava mais viradas sofisticadas de bateria. Queria fazer um som pesado, eu queria alterações drásticas de dinâmica, à la Nirvana, eu queria ser sincero com a minha dor interna, eu queria fazer barulho.
Queria misturar aquela massa pesado-melódica do grunge com tudo o que havia aprendido de rock até então, especialmente o som mais dark de Jesus and Mary Chain e Joy Division. No verão de 1995, já estava montado o Embryo, powertrio de som pesado do qual me orgulho. Em maio, tocamos em nosso primeiro festival e dedicamos um cover de “About a Girl”, do Bleach, ao Kurt. O Smelly Guys, que tocou no mesmo dia, fez uma versão matadora de “Serve The Servants”, do In Utero. O Joãozinho chorou depois de tocar a música. Tinha se lembrado de muitas coisas, talvez, mas, com certeza tinha se lembrado de Cobain.
Depois disso, Nirvana e outras bandas da época entraram no repertório e influenciaram o Embryo. Nos shows posteriores fizemos “Molly´s Lips”, cover do Nirvana para uma canção do Vaselines, “Been a Son”, “Lithium” e "It Ain´t Like That", do AIC. Lembro especialmente da versão de “Lithium” que fizemos no palco do verão da prefeitura de Praia Grande, mesmo palco em que Roberto Carlos, de quem sempre fui grande fã, e Mamma´s and The Papas haviam tocado. Chovia, mas uns 70 gatos pingados ficaram pulando sob o toró. Na rua, caminhando pelo calçadão depois do show, éramos reconhecidos. Lembro de uns moleques do ABC, gritando para a gente. “Yeah, yeh, yeah...”, como no refrão da canção... Estava no céu, até ter que me virar no meio da enchente para sair da cidade, sem ônibus, com os grandes parceiros Ivair e Mauro, que havia conquistado uma garota depois do show... Sexo e rock´n´roll, perfeito! Era o meu ideal de vida. As drogas eu sempre dispensei. Não queria acabar como Kurt ou Lanney Staley...
E em agosto de 1996, eu fui trabalhar em São Paulo. Pouco antes, Mauro havia deixado o Embryo, mas o som não tinha morrido em mim...
Onze anos depois, trabalho para preservar a memória da minha história no rock´n´roll e, quem sabe, juntar a molecada para um som. No meio disso, tenho mergulhado na leitura de livros super rock´n´roll e me deparei com a biografia de Kurt aqui em casa. “Mais Pesado que o Céu”, de Charles R. Cross, 400 páginas que devorei em cerca de 10 dias. Um livro perfeito, uma aula de jornalismo, com informações de toda a família de Kurt, amigos, empresários, outros jornalistas... E, constatei, Kurt Cobain nada mais foi do que um gênio. Maluco, mas um gênio. E esse cara mudou minha vida e minha percepção da música. Obrigado, Kurt. I´ll never forget Nirvana.
Cotações:
Bleach (1989) - ****1/2
Nevermind (1991) - *****
Incesticide (1992) - ****
In Utero (1993) - ****1/2
Unplugged in New York (1993) - *****
From The Muddy Banks of The Wishkah (1996) - ****
Singles (Box Set) (1995) - ****
Other Stuff:
Todos os CDs com artes, fotos e informações. In Utero completo com letras.